sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Um relato minucioso do terramoto de 1755

Carta de um senhor residente em Lisboa, a um mercador em Londres
(excertos da carta retirada do Livro "1755 testemunhos britânicos")
Meu caro amigo

    Presumo que terá sabido, antes que esta chegue a si, do acidente fatal, ou melhor, providência vingadora, que quase destruiu esta cidade e danificou bastante muitos outros locais consideráveis...
    Para que eu possa, contudo, ser tão metódico e exacto quanto possível, começarei por vos dar um breve relato da cidade de Lisboa, como se encontrava antes do recente e terrível terramoto.
    O porto, pela sua situação no oceano ocidental, é um dos mais amplos da Europa: possui grandeza bastante para conter 10 mil navios com comodidade e mesmo os maiores navegam com segurança em frente das janelas do palácio real.
    A cidade situa-se no lado norte do Tejo, sobre sete colinas, muito íngremes em vários lugares. As ruas nas vertentes das colinas são mantidas limpas pelas chuvas, mas as planas são intoleravelmente sujas.
   O clima é quente, mas, sendo moderado por brisas frequentes do mar e rio, torna-se extremamente agradável e saudável. As casas são, na maior parte, velhas e de má qualidade, mas as que foram reconstruídas têm uma  aparência melhor; as da nobreza e pequena nobreza, todas construídas em pedra, possuem beleza e imponência. Existem 25 mosteiros, 18 conventos e vários hospitais grandes...
    A melhor praça em toda a cidade situa-se junto do grande hospital e chama-se Rossio.
    No primeiro de Novembro, 1755, entre as 9 e as 10 horas da manhã, tivemos o terramoto mais violento que talvez jamais se tenha feito sentir na Europa; relatar as consequências deste triste desastre é completamente impossível... Em cerca de cinco minutos o palácio e a maioria dos edifícios públicos foram destruídos; poucas das igrejas ou capelas ficaram de pé e o número de vidas perdidas diz-se ser maior do que 40 mil.
    O palácio do rei está inteiramente destruído, embora felizmente nenhum acidente tenha acontecido à família real, estando eles em Belém à hora do terramoto...
    À hora a que o terramoto começou estava eu a escrever num gabinete, no cimo de um lanço de escadas; senti um abalo surpreendente e, incapaz de adivinhar o que se passava, corri de imediato para a janela, e a primeira coisa que me chamou a atenção foi a esquina de uma casa a cair sobre duas pessoas que iam a passar; isto foi muito mau, mas, menos de um minuto depois, vi a minha mulher e filha (que tinham corrido para a rua ao primeiro abalo) morrerem esmagadas pela queda da parte restante da mesma casa...
    Então, apressei-me o mais que pude para a grande praça, que, sendo um lugar aberto, eu entendi que seria o mais seguro; enquanto eu corria para lá, observei uma das melhores ruas de Lisboa a afundar-se na terra e todas as pessoas nela (que eram, sem dúvida, algumas centenas), devem, por conseguinte, ter perecido. Um lado da rua em que eu vivia desapareceu inteiramente. Em resumo, Lisboa tornou-se um monte de ruínas e os seus habitantes os miseráveis mais infelizes sobre a face da terra! Não temos camas para nos deitarmos e quase nada para comer. Muitas pessoas vivem em tendas nos campos - em geral, os nossos armazéns estão destruídos -. Sua Magestade colocou um embargo em todos os navios, para que as suas provisões possam, nalguma medida, prover às necessidades dos infelizes habitantes do "lugar que foi, mas já não é Lisboa".
    Mal o tremor tinha cessado, um bando de patifes sem remorso começou a pilhar as casas que estavam desertas, pois os habitantes fugiram não sabiam eles para onde, com receio de que os edifícios caíssem sobre as suas cabeças; tão cedo quanto possível, guardas adequados receberam ordens para capturar saqueadores e disparar contra eles em caso de resistência.
    O grande edifício aqui pertencente à Inquisição foi inteiramente destruído pelo primeiro abalo. A terra abriu em vários locais, dos quais brotaram terríveis chamas. Vários navios no Tejo foram quer engolidos pela agitação das águas, quer afundados pela queda do palácio real e outros edifícios situados nas margens do rio.
    Ao mesmo tempo, os vários rios que irrigam o reino subiram a uma altura extraordinária e, inundando as suas margens, provocaram grande dano à região adjacente. As montanhas mais consideráveis neste reino e no dos algarves, particularmente as da Estrela, Marvão, Sintra, Arrábida, Montejunto, etc, sentiram igualmente o abalo. Algumas foram desconjuntadas e bocados delas atirados para os vales. As cidades que mais sofreram foram: Vila Nova de Portimão, Tavira, Castro Marim, Beja, Elvas, Portalegre, Setúbal, Porto, Bragança, etc.
    Nenhum abalo tendo sido sentido desde o primeiro às dez da noite, o rei e a família real aventuraram-se a regressar àquela parte do Palácio de Belém que terramoto poupou e que foi escorada; e um grande número de pessoas está ocupado a escavar as ruínas para recuperar os bens mais valiosos.
    O terramoto foi sentido em Tarifa, que fica a pequena distância do estreito de Gibraltar; e imaginamos que tenha feito algum dano na Fortaleza de Gibraltar, pois os abalos foram muito violentos nessa região de Espanha.
    Acabei de vos fazer, Caro Senhor, o melhor relato do que pude saber deste terrível acontecimento, e sou,
O seu angustiado, mas sincero amigo, e humilde criado.
9 de Nov, 1755



100 imagens do terramoto de 1755: aqui


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