quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Fado Alexandrino

Livro de António Lobo Antunes
(trancrevo uma página deste livro, que me deu imenso prazer ter lido)


O táxi imobilizou-se sem desligar o motor, enquanto o chofer desembrulhava um rebuçado para a tosse numa trovoada de papel, as pessoas abriram em silêncio uma espécie de alas até à porta da casa, as viúvas calaram-se por momentos fixando-o com o agudo verniz de pássaro dos olhinhos, o senhor do suor, de risca do cabelo na orelha, tirou respeitosamente o chapéu, e o tio surgiu no vestíbulo, com um casaco de gola levantada sobre a camisola interior, a abotoar a breguilha das calças em equilíbrio sobre os chinelos de verão.
- Vimo-nos gregos para a enfiar no automóvel , contou o soldado a abrir e a fechar a caixa de fósforos num meio sorriso gasoso: o meu capitão não calcula o peso que aquela velha tinha. E depois sobrava constantemente um braço, ou uma perna, ou uma cabeça, foi um sarilho de todo o tamanho para a entornarmos no assento: se os gajos dos refrigerantes não colaborassem ainda a esta hora lá estávamos.
Mas coube de facto a família inteira, ele e a Odete atrás com a doente, a molhar-lhe a nuca com um pano húmido, e o dono das mudanças Ilídio à frente, de suspensórios caídos ao longo das calças bambas, junto ao chofer que arrancou de um pulo, quase atropelando o rapaz da taberna que comentava minuciosamente a infelicidade para dois soldados estupefactos. Virou-se e distinguiu pelo vidro o beco que se desvanecia no escuro, enquanto o garoto, postado no meio da calçada, ultrajado, lhe enviava a duas mãos caralhadas frenéticas.
- Está viva?, perguntou, inquieto, o chofer de táxi ao tio, a tocar por precaução na figa de chifre do espelho. É que se não está perco um tempo do caneco no hospital, a dar o nome, a mostrar os papéis do carro, a sacudir-lhes o alvará no nariz, a aturar o polícia da entrada.
A Dona Isaura, atravessada em cima de nós, assobiava como uma vaca em coma, e estrebuchava de quando em quando furando-me os ossos da barriga com a aresta aguda do cotovelo. A Odete, comprimida entre a mãe e a porta, escoceava uma nádega gigantesca para lograr respirar, e a cabeça grisalha da enferma oscilava como um chinês de porcelana rente ao tapete do táxi.
- Viva?, exclamou o tio com um murro de protesto no  peito, que lhe provocou de imediato um acesso de tosse. A gente só a leva ao hospital de carro a analisar o chichi, percebe?, é uma mania aqui do bairro que nós temos.

1 comentário:

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