terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Morrer no deserto

Um filme que documenta a morte trágica de imigrantes deportados da Líbia. 
Tal como esperado após o acordo assinado entre Berlusconi e Gaddafi.
Naqueles dias, milhares de imigrantes de África passaram de Agadez para a Líbia, a última cidade do Níger, que continua isolada do mundo pela guerra civil entre o exército e uma facção do Tuareg. 
Desde o final de 2008, contam-se pelo menos 10 mil imigrantes que partem todos os meses, após uma longa interrupção de tráfego de clandestinos. Os traficantes do Sahara reabriram o negócio, explorando a rebelião tuaregue, apoiada pela França, que domina a segunda exploração maior do mundo de urânio, em Imouraren, perto de Agadez.
Em 2 de Março, o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, deslocou-se à Líbia para assinar um acordo com o coronel Muammar Kadhafi. 
Foi a visita em que Berlusconi pediu desculpas pela ocupação colonial e em que os governos de Roma e Tripoli lançaram as bases para uma colaboração na patrulha costeira contra as fugas para Lampedusa na Itália. 
Em 2008, o regime de Kadhafi tinha deixado embarcar para a Itália, mais de 30 mil imigrantes, um recorde que atraiu milhares de pessoas na Líbia, até então bloqueadas em Agadez.
O encontro de Berlusconi e Gaddafi não foi apenas para falar sobre a imigração. Discutiram assuntos pessoais, de 5 bilhões de dólares de indemnização em vinte anos contra a Eni, pelos danos causados pela guerra, pelos contratos de petróleo e gás.
Trípoli num súbito gesto de boa vontade para com o Níger envia centenas de imigrantes detidos no campo de detenção da base militar de Al Gatrun.
Talvez os mortos filmados com o telefone é o trágico fim de uma dessas operações.
Al Gatrun e Agadez são separados por 1490 Km de deserto. São dez dias de viagem e a meio um único oásis o Dirkou. 
Até que cheguem a Agadez não se pode dizer que existam sobreviventes do Saara. Mas a polícia e o exército líbio de Al Gatrun nunca se preocuparam com o destino dos estrangeiros, uma vez que estão fora da fronteira com o Níger.
Imigrantes deportados por camiões militares são descarregados e forçados a andar. Ou são confiados a contrabandistas que muitas vezes os abandonam muito antes de eles chegarem ao seu destino.
Da linha de fronteira pontilhada no mapa, o primeiro posto militar no Níger é apenas Madama, a 80 km de colinas e vales, sem poços. Não existe  mais nada. Oitenta quilómetros em que, se se perde o rumo e se se abandona o bidão de água para caminhar mais leve, está-se destinado a morrer.
Já em 2005 tinha-se descoberto que o retorno das operações para o Níger, depois do primeiro acordo entre Berlusconi e Gaddafi, causou 106 mortes em quatro meses. E eram apenas os números oficiais. Como os 50 esmagados por um camião sobrecarregado que capotou. Ou o imigrante do Gana nunca identificado, dilacerado por uma matilha de cães selvagens durante uma visita ao Madame. E as três meninas nigerianas que morreram de sede.
Foram todos condenados à morte por aqueles que organizaram a repatriação.
O negro que levantou as mãos para agarrar o ar. A poucos passos além, o sopro do vento  numa blusa anima a careta da última respiração de uma mulher. Imediatamente ao lado o corpo de um menino que ainda se curvou em oração, e nunca mais se levantou.
O morrer dos imigrantes. 
Assim termina a vida de homens e mulheres que não desembarcaram em Lampedusa. Bloqueados na Líbia pelo acordo Roma-Trípoli, voltam para o deserto. 
Abandonados na areia apenas além da fronteira. 
Às vezes, eles são forçados a andar até ao forte militar de Madama, um pequeno posto avançado do exército do Níger, 80 km a sul e às vezes perdem-se. Caiem de bruços exaustos, com fome, sede e ninguém mais vai encontrar os seus corpos.

Um filme, no entanto, revela um desses massacres. 
Um pequeno vídeo que 'L'Espresso' conseguiu fazer fora da Líbia e do Níger. A Operação de Repatriamento deu errado.
Onze mortos. 
Sete homens e quatro mulheres, se conseguir ver nas imagens.

O vídeo foi filmado em 16.Março.2009 com um telemóvel de uma pessoa que viajou da Líbia ao Níger, ao longo da rota de Al Gatrun, último oásis líbio, e Dao Timmi, posto militar da Nigéria.
É a chamada rota dos escravos.
O mesmo percurso desde 2003, com dezenas de milhares de emigrantes Africanos. Homens e mulheres que procuram trabalho na Líbia para poderem pagar a viagem de barco até Lampedusa (Itália).
O homem que filmou está acompanhado por uma patrulha militar. Numa breve sequência, vemos uma pick-up com uma metralhadora. 
As 11 pessoas que morreram de sede viriam até que ponto a pé? Juntaram-se perto de um monte de pedras e areia. Talvez eles estivessem à espera no local a qualquer altura de algum transporte de passageiros para pedir ajuda. Em cima ou perto do corpo, sapatos e calças de marcas que você compra na Líbia. Não há nenhuma estrada ou caminho de terra. É uma região do Saara, onde há apenas o sol e as estrelas como orientação.


2 comentários:

  1. As vidas são difíceis para muitos que habitam essa zona do globo. A imigração é a única solução

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  2. A única solução mas muito arriscada. Completamente encurralados sem hipótese de melhoria de vida e à mínima tentativa podem perder as suas vidas e a dos seus entes queridos.
    A imagem do jovem que morreu de bruços não me sai da cabeça, afectou-me imenso imaginar o seu desespero.

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